Lição 10 - A perda dos bens terrenos






Nossa relação com os bens materiais deve mostrar que amamos a Deus sobre todas as coisas.

INTRODUÇÃO

- Na sequência do estudo sobre os “dramas materiais”, estudaremos hoje a perda dos bens terrenos.

- Devemos amar a Deus sobre todas as coisas e, por isso, a perda dos bens terrenos não pode nos levar a nos distanciar ou a questionar o Senhor.

I – DEUS É O DONO DE TODAS AS COISAS

- Prosseguindo o estudo do que denominamos de “dramas materiais”, ou seja, as aflições decorrente do nosso relacionamento com as coisas, estudaremos hoje a questão atinente à perda dos bens terrenos, uma realidade que advém tanto a crentes quanto a incrédulos.

- Conforme já vimos na lição anterior, ao tratar da angústia das dívidas, não podemos deixar de considerar que, nesta terra, todas as coisas pertencem a Deus, visto que Ele é o criador de tudo (Gn.1:1) e, portanto, por direito, tudo Lhe pertence (Sl.24:1).

- O homem foi posto como supremo administrador da criação terrena, sendo, por isso, mordomo de Deus (Gn.1:28). Se isto deu ao homem uma supremacia sobre toda a criação terrena, não o tornou, em absoluto, senhor da criação terrena. É desta distorção do ensino bíblico que surgiram ideias completamente equivocadas a respeito do nosso relacionamento dos bens materiais que tem na teologia da prosperidade a sua principal vertente nos dias em que vivemos.

- Deus é o dono de todas as coisas, tendo ao homem tão somente a administração sobre a criação terrena, o que faz com que, a um só tempo, entendamos que o homem pode, legitimamente, usufruir de tudo quanto Deus criou, mas que também deve zelar de toda a criação, pois terá de prestar contas ao Senhor da sua utilização.

- De igual maneira, ao termos consciência de que somos meros administradores do que pertence a Deus, também compreendemos que, pela ordem das coisas, jamais podemos nos prender às criaturas, mas, sim, ao Criador. Temos de buscar servir a Deus e não às coisas, buscar ter a Deus de tudo e não às coisas criadas por Deus.

- Todavia, quando o homem pecou, crendo na mentira satânica de que poderia viver sem Deus, viver independentemente de seu Criador (Gn.3:4,5), acabou por gerar consequências nefastas para a sua vida, uma das quais, no que pertine ao seu relacionamento com a criação terrena, é que a mesma lhe passou a ser hostil, produzindo não somente o que seria necessário para a sobrevivência do ser humano, mas, também, o que não lhe serviria para tanto, os “espinhos e cardos” de que falou o Senhor em um de Seus juízo sobre o primeiro casal pecador (Gn.3:18).

- A criação terrena não mais ficou à disposição pura e simples do homem para que dela pudesse desfrutar, sem qualquer penosidade, para a sua satisfação. Passou a existir uma competição entre o homem e o restante da criação terrena, um embate de que dependeria a própria sobrevivência humana sobre a face da Terra, gerando o que os economistas denominam de escassez, visto que os recursos existentes seriam sempre insuficientes para satisfazer os desejos humanos.

- É deste conflito entre recursos e desejos (de que nasce a própria necessidade da ciência econômica) que surge a noção de “bem”, entendido como “tudo o que tem utilidade material, prática, e valor fiduciário”, ou seja, “tudo aquilo que serve de elemento a uma empresa ou entidade para a formação do seu patrimônio aziendal e para a produção direta ou indireta do seu lucro”, como afirma o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

OBS: Azienda é o “conjunto de elementos (bens materiais ou imateriais) que servem ao comerciante, ou ao industrial, para que desempenhe suas atividades produtivas”.
- Vemos, pois, que os “bens terrenos” são todos aqueles elementos da criação terrena que servem, de alguma maneira, para que o homem tenha a satisfação de suas necessidades, que permitem ao homem sobreviver sobre a face da Terra.

- Ora, como já dissemos, estes “bens” pertencem a Deus. Verdade é que, para adquiri-los legitimamente, o homem precisa fazer uso do trabalho (Gn.3:17-19) e a sua aquisição se torna indispensável para a sobrevivência do homem, motivo por que o direito de propriedade é um direito natural, que decorre da própria determinação divina e algo que faz com que o homem possa usufruir daquilo que Deus lhe concedeu, apesar do pecado.

- Tanto os “bens” pertencem a Deus que, além do salmista, já citado (Sl.24:1), o profeta Ageu também afirmou que o ouro e a prata pertencem ao Senhor (Ag.2:8), tendo o próprio Jesus afirmado aos Seus discípulos que Deus tem prazer em dar aos homens “bens” se eles lhO pedirem (Mt.7:11). Que bens? Tanto os “bens do mundo” (I Jo.3:17) como também o Espírito Santo (Lc.11:13).

- A expressão “bens” representa propriamente as coisas materiais que nos servem para a satisfação de nossas necessidades e a Bíblia Sagrada faz questão de nos mostrar que elas são dádivas de Deus para nós. Para os israelitas, Deus prometia “abundância de bens” na Terra Prometida se houvesse fidelidade a Ele e à Sua lei (Dt.28:11), tendo, também, a rainha de Sabá entendido que Salomão tinha abundância de bens que lhe havia sido dada pelo próprio Deus (I Rs.10:7,10). Neemias, também, reconheceu que Deus cumpriu a Sua promessa ao povo de Israel, dando-lhes abundância de bens, embora tal atitude não tenha sido correspondida pelo povo (Ne.9:35).

- O próprio Satanás reconheceu que Deus é quem deu os bens a Jó (Jó 1:10), a provar, pois, que Deus é o dono de todas as coisas e dá a quem quer, quando quer e como quer.

- No entanto, e aqui reside o grande perigo, o homem, no pecado, entende que pode viver sem Deus e, por isso, acaba por achar que tudo quanto possui é fruto de seu próprio esforço, é resultado de suas próprias forças e, diante dos bens terrenos, esquece-se d’Aquele que é a fonte de tudo quanto foi adquirido, esquece-se do Deus que dá aos homens todos os bens terrenos. É neste ponto, quando há a desconsideração de que Deus é o dono de tudo e que é o principal responsável por aquilo que adquirimos por força do nosso trabalho que surge o “materialismo”, que é a redução de tudo ao “material”, que é a exclusão de Deus de nossas mentes, de nossa apreciação da realidade.

II – O PENSAMENTO MATERIALISTA AO LONGO DOS SÉCULOS

- O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define materialismo como sendo a “doutrina que identifica, na matéria e em seu movimento, a realidade fundamental do universo, com a capacidade de explicação para todos os fenômenos naturais, sociais e mentais”. Como ensinam Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, “…de modo gera, portanto, o materialismo nega a existência da alma (…), bem como a realidade de um mundo espiritual ou divino cuja existência seria independente do mundo material. O próprio pensamento teria uma origem material, como um produto dos processos de funcionamento do cérebro.…” (Materialismo.In: Dicionário básico de filosofia, p.163).

- O materialismo caracteriza-se, portanto, como todo e qualquer pensamento que entende que, no universo, só existe a matéria, ou seja, substância sólida, corpórea. Este pensamento não é novidade na história da humanidade. Os primeiros filósofos ocidentais, na Grécia, voltaram-se para a discussão a respeito do que seria a matéria e não poucos deles viram a realidade como sendo puramente material.

- O primeiro deles foi  Demócrito (460-370 a.C.), que apresentou uma teoria em que “supõe a gênese da natureza, e até da alma humana, a partir do movimento, da agregação e da dissociação de porções mínimas e indivisíveis de matéria, os átomos, que não foram criados nem antecedidos por qualquer divindade ou força imaterial”. Para este filósofo, cuja teoria foi denominada de “atomismo”, portanto, a origem de todas as coisas era fruto dos átomos, partículas materiais que seriam as fontes de todas as coisas que existiam no universo, átomos estes que não teriam sido criados por ninguém. Tudo, inclusive a alma, seria material, portanto, formada destes átomos.

- O pensamento de Demócrito encontrou grande guarida no mundo grego e, por conseguinte, em todo o mundo conhecido de então, já que Demócrito viveu numa época em que a cultura grega estava se espalhando pelo mundo todo, tendo tido receptividade em vários povos e movimentos, entre os quais destacamos os seguintes:

a) Epicuro e seus seguidores, os epicureus (At.17:18)  – Epicuro, outro filósofo grego (341-270 a.C.), foi influenciado pelo pensamento de Demócrito, tendo fundado um movimento filosófico que durou por alguns séculos na Grécia e em Roma. Para ele, os átomos eram a explicação última do mundo e nada existiria a não ser os átomos e o vazio entre eles. Por isso, entende que não se deve perguntar sobre a existência de Deus e defende que se deve buscar o máximo prazer nesta vida, pois, depois da morte, nada haveria. Por isso, os epicureus estranharam tanto a pregação de Paulo a respeito da ressurreição e de Jesus. A influência do pensamento de Epicuro foi tão grande entre os judeus que o Talmude (o segundo livro sagrado do judaísmo) chega a chamar aquele que ataca a fé como sendo “o epicurista”.
OBS: Eis o texto do tratado “Pirke Avot” (Ética dos Pais) do Talmude: “Rabi Eleazar diz: Sê diligente no estudo da Tora, sabe o que deves responder ao epicurista…” (2:19a) (apud BUNIM, Irving M.. A ética do Sinai. Trad.Dagoberto Mensch, p.121).

b) os saduceus (Mt.22:23; Mc.12:18;Lc.20:27) – A seita judaica dos saduceus, que parecem retirar seu nome de Zadoque, que, segundo alguns, é o sumo sacerdote nos tempos de Davi e Salomão e, segundo outros, um discípulo de Antígono de Soco, mestre judaico que foi um dos “homens da Grande Assembleia”, o grupo formado por Esdras e Neemias para serem os grandes estudiosos e intérpretes da lei em Israel após o exílio, tinha como sua característica principal o materialismo, a total descrença na alma ou na existência de algo além da matéria, fruto inegável da influência exercida sobre eles do pensamento filosófico grego materialista.
OBS: Corroborando o que nos ensinam as Escrituras a respeito dos saduceus, transcrevemos o que fala dos saduceus o historiador judeu Flávio Josefo: “…Os saduceus, ao contrário, negam absolutamente o destino e creem que, como Deus é incapaz de fazer o mal, Ele não Se incomoda com que os homens fazem. Dizem que está em nós fazer o bem e o mal, segundo nossa vontade nos leva a um ou a outro e as almas não são nem castigadas nem recompensadas num outro mundo…” (Guerra dos judeus contra os romanos II,12,153. In: JOSEFO, Flávio. História dos hebreus. Trad. Vicente Pedroso. v.3, p.60).

- Além de Demócrito, os  estoicos (At.17:18) foram outro grupo que bem representou o materialismo na Antiguidade. O estoicismo foi um movimento filosófico que surgiu na Grécia com Zenão de Cício(334-262 a.C.), mas que perdurou também por alguns séculos, que também tinha no materialismo uma de suas principais características. Segundo eles, o universo é composto unicamente de matéria, que, ao contrário dos epicureus e atomistas, é algo contínuo. O mundo seria um todo orgânico animado pelo “logos”, o princípio vital. Tudo seria, pois, material, não existindo coisa alguma além da matéria.

- O materialismo, porém, sempre sofreu grande oposição nos círculos intelectuais antigos. Além da predominância da religião na Antiguidade, religiões que sempre procuravam explicar o sobrenatural, quando não negavam precisamente a matéria (como é o caso do hinduísmo e do budismo), devemos observar que os dois principais filósofos do Ocidente, Aristóteles e Platão, admitiam a existência de coisas imateriais, às quais davam maior importância do que às materiais, notadamente Platão, cuja escola de filosofia (a Academia) duraria mil anos depois de sua morte.

- Com a vinda de Cristo e a evangelização do mundo por intermédio da Igreja, então, o materialismo teria mais uma oposição e o triunfo do pensamento cristão, apesar da apostasia que nele logo se infiltrou, foi, sem dúvida alguma, um grande entrave para a proliferação do materialismo na Idade Média, tendo também contribuído para isto o surgimento do islamismo, igualmente uma religião que menosprezava esta espécie de pensamento.

- O materialismo, porém, retomaria vigor a partir do final da Idade Média, dentro das consequências do antropocentrismo, ou seja, do pensamento que punha o homem no centro do mundo, no centro do universo. A partir do momento que o homem passou a valorizar a si mesmo e a sua razão, bem como a ciência e a tecnologia, quase que automaticamente dava fôlego a novas formulações materialistas.

- Os primeiros filósofos e cientistas modernos não foram materialistas, admitindo a existência da alma e de substâncias incorpóreas, como é o caso do filósofo francês René Descartes (1596-1650), mas, a partir das descobertas científicas, principalmente da física, surge um pensamento chamado de “mecanicismo”, em que a natureza passou a ser entendida como uma “máquina cega”, pensamento este que encontrou guarida em vários escritores do chamado “Iluminismo”, pensadores do século XVIII, entre os quais os franceses  Barão de Holbach (1723-1789), para quem a matéria é a única realidade e Denis Diderot (1713-1784), organizador da Enciclopédia, que afirma que de um animal saíram todos os demais, de um só ato da natureza.

- O desenvolvimento do pensamento materialista só aumentaria depois da Revolução Francesa (1789). A crença na ciência e na razão faria com que, cada vez mais, fossem desprezados os argumentos espirituais e de fé por parte dos estudiosos. Até mesmo os teólogos passaram a querer justificar científica e naturalmente a Palavra de Deus, o que fez com que surgissem os movimentos da crítica bíblica e uma teologia que consideraria as narrativas sobrenaturais da Bíblia como simples lendas ou crendices. Era o fermento materialista invadindo os próprios seminários e institutos de teologia! O aparecimento das teorias evolucionista, através de  Herbert Spencer(1820-1903) e de Charles Darwin(1809-1882), e do chamado “materialismo histórico”, de Karl Marx (1818-1883) e de Friedrich Engels (1820-1895), fariam com que o materialismo atingisse seu ponto mais alto de aceitação na história do Ocidente.

- Herbert Spencer teve uma educação alheia à religiosidade, tendo cedo se dedicado, por influência dos pais, ao estudo autodidático da ciência e da história. Nestes seus estudos, acabou convencido de que havia um princípio que regularia todas as coisas no universo, o princípio da evolução, tendo, a partir de então, escrito diversas obras para mostrar como tudo era fruto da evolução. Este seu pensamento, apresentado cerca de dez anos antes das obras de Charles Darwin, teria grande repercussão e influenciaria muito a classe intelectual da Europa e dos Estados Unidos.

- Charles Darwin acolheria esta ideia evolucionista de Spencer e consideraria que ela estava comprovada em suas pesquisas feitas em viagens ao longo do planeta, tendo, então, concluído que a vida na Terra era fruto de uma evolução, ideia esta que reforçou tanto a postura materialista a respeito do mundo, como o ideário ateísta que já contaminava o mundo nesta segunda metade do século XIX.

- Este pensamento atingiria, no que tange ao estudo das chamadas “ciências humanas”, seu ápice na formulação do chamado “materialismo histórico” de Karl Marx e Friedrich Engels. Para estes, a história da humanidade sempre havia sido a história da luta pelo controle das coisas materiais e a isto se reduzia o homem. Não havia nada de espiritual, mas todas as supostas manifestações sobrenaturais e ideias imateriais nada mais seriam que justificativas, ilusões que tinham a finalidade de mascarar a “luta de classes”, ou seja, o conflito entre os homens pela posse das riquezas e dos bens materiais.

OBS:  “…o materialismo filosófico marxista parte do princípio de que a matéria, a natureza, em suma, o ser é uma realidade objetiva, que existe fora e independentemente da consciência; que a matéria é um dado primário, pois ela é a fonte das sensações, das representações, da consciência, enquanto que a consciência é um dado secundário, derivado, pois ela é o reflexo da matéria, o reflexo do ser; que o pensamento é um produto da matéria, quando esta atingiu, no seu desenvolvimento, um alto grau de perfeição; mais precisamente, o pensamento é produto do cérebro, e o cérebro, o órgão do pensamento; não podemos, por conseguinte, separar o pensamento da matéria, sob pena de cairmos num erro grosseiro…” (STÁLIN, Joseph.Materialismo dialético e materialismo histórico, p.10-1 apud POLITZER,  Georges; BESSE,  Guy e CAVEING, Maurice. Princípios fundamentais de filosofia. Trad. João Cunha Andrade, p. 137).

- O pensamento materialista de Marx e Engels, complementado depois por Lênin (1870-1924) e Mao Tsé-Tung(1893-1976), seria o condutor dos regimes comunistas implantados no mundo a partir de 1917, com a criação da União Soviética, regimes que perdurariam até o final da década de 1980 em praticamente metade do planeta e que ainda vigoram em Cuba, Coréia do Norte, Vietnã e na China, o segundo maior país do mundo em extensão e o mais populoso do planeta. Vemos, pois, que o materialismo passou a ser pensamento dominante em grande parte do planeta durante quase todo o século XX.

- A queda dos regimes comunistas e a própria decepção surgida com o fracasso dos regimes comunistas antes mesmo de seu desmoronamento foram fatores que provocaram um nítido recuo no pensamento materialista nos últimos anos, dando margem ao surgimento de uma “nova espiritualidade”, que tem crescido grandemente em todo o mundo, inclusive nos países que ainda adotam o pensamento materialista marxista. No entanto, apesar deste recuo no mundo intelectual, o materialismo está longe de deixar de ser uma característica do mundo pós-moderno, pois, apesar de o pensamento materialista ter crescido em virtude da modernidade, o fato é que a prática materialista, mais até do que o pensamento materialista, é algo que só tem aumentado nos dias em que vivemos.

III – A PRÁTICA MATERIALISTA AO LONGO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

- O fato é que, se o pensamento materialista ganha corpo e uma nitidez no mundo grego, por volta do século II a.C., a prática materialista tem acompanhado o homem desde o início dos tempos, uma vez que este tipo de atitude é consequência da prática do pecado. “…O homem pecador que recusar aceitar a Deus será necessariamente levado a se tornar preso às criaturas em um modo falso e destrutivo. Em seu desvio em direção às criaturas (conversio ad creaturam), ele foca nas últimas seu desejo insatisfeito pelo infinito. Mas os bens criados são limitados e, então, o seu coração passa de um para outro, sempre procurando por uma paz impossível…” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução  Libertatis Conscientia, n.40) (tradução nossa de texto oficial em inglês do site do Vaticano).

- Consequência inevitável de se retirar da presença de Deus é a busca do homem pelas coisas materiais, pensando, iludido, que o vazio decorrente da ausência da comunhão com Deus pode ser preenchido pelo desfrute das coisas terrenas. Assim foi o que ocorreu com Caim, como se lê em Gn.4:16. Após ter se retirado da presença do Senhor, Caim deu início a uma civilização materialista, voltada para as coisas desta vida, sem qualquer preocupação com a realidade espiritual (cf. Gn.4:20-22).

- A civilização caimita acabou por prevalecer no mundo antediluviano como um todo e a descrição que Jesus faz dos dias de Noé bem mostra quais eram os valores então predominantes: “comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento”  (Lc.17:27). Era, portanto, um mundo que se guiava única e exclusivamente pelas coisas desta vida, numa total despreocupação com as coisas do espírito, com a eternidade, com o relacionamento com Deus. O resultado de uma prática materialista como esta não poderia ter sido outra: o dilúvio os consumiu a todos.

- Mas, depois do dilúvio, a  humanidade manteve esta prática materialista. Ao invés de servir a Deus e de adorá-l’O, os homens da comunidade única pós-diluviana resolveram “ter um nome para si” para não serem espalhados sobre a face da Terra, demonstrando assim um apego às coisas desta vida, tanto que queriam, a exemplo do que já fizera Caim, edificar uma cidade e procurarem “ser poderosos na terra” (cf. Gn.10:8). Uma vez mais, a prática materialista se apresenta como a tônica a nortear e orientar as ações humanas, numa total despreocupação com “as coisas de cima”. O resultado disto foi novo juízo divino, com a destruição da comunidade única pós-diluviana, por meio da confusão das línguas (Gn.11:7-9).

- Entretanto, ainda que espalhados, os povos surgidos desta divisão mantiveram esta sua prática materialista. Com efeito, Jesus descreve os gentios como sendo pessoas que se preocupavam apenas em correr atrás do beber, do comer e do vestir, dando a isto prioridade em suas vidas (Mt.6:31,32), comportamento que persiste nos nossos dias, onde, lamentavelmente, o “ter” tem preponderância sobre o “ser”.

OBS:  “…O fenômeno do consumismo mantém uma persistente orientação mais para o ‘ter’ do que para o ‘ser’. Ele impede de ‘distinguir corretamente as formas novas e mais elevadas de satisfação das necessidades humanas, das necessidades artificialmente criadas que se opõem à formação de uma personalidade madura’. Para contrastar este fenômeno é necessário esforçar-se por construir ‘estilos de vida, nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom, e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento.’ É inegável que as influências do contexto social sobre os estilos de vida são notáveis: por isso o desafio cultural que hoje o consumismo apresenta deve ser enfrentado de modo mais incisivo, sobretudo se se consideram as gerações futuras, que arriscam ter de viver num ambiente saqueado por causa de um consumo excessivo e desordenado.…” (PONTIFÍCIO CONSELHO  DE JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da doutrina social da Igreja, n.360, p.206).

- A excessiva preocupação do homem com as coisas desta vida é uma característica da prática materialista ao longo da história da humanidade. É evidente que o homem, para sobreviver, tenha de suprir suas necessidades essenciais (alimentação, vestuário, educação, habitação), necessidade que é reconhecida por Deus (Mt.6:32), mas também é ponto pacífico que o homem não pode pôr estas coisas como prioritárias na sua vida. No exato instante em que as coisas materiais passam a dominar o centro das atenções do homem, ele se torna presa do materialismo e, neste preciso momento, dá as costas para Deus.

- Quando amamos as coisas desta vida em primeiro lugar, passamos a servir às riquezas, ou seja, a Mamom (o deus das riquezas) e, por causa disto, deixamos Deus de lado. Jesus disse que não se pode servir a Deus e a Mamom (Mt.6:24) e, infelizmente, muitos são os que, na atualidade, mesmo se dizendo crentes, não servem a Deus, mas única e exclusivamente a Mamom.

- O materialismo, isto é, o apego às coisas materiais, representa a própria negação de Deus, a ponto de termos de reconhecer que “materialismo é ateísmo camuflado”. Quando há o apego às coisas materiais, estamos, ainda que não o digamos com argumentos, estamos, na prática, negando que Deus existe. É por este motivo que as Escrituras dizem que “o amor do dinheiro é a raiz de toda a espécie de males” (I Tm.6:10a).

- É dentro deste sentido que devemos compreender a intensidade do mal causado por Acã no arraial de Israel(Js.7:13-26). Ao cobiçar o anátema e se atrever a desobedecer às ordens divinas em troca da posse de bens materiais, Acã e sua família fizeram muito mal e introduziram, na comunidade do povo de Deus, a possibilidade do materialismo, o que deveria ser imediatamente erradicado para que aquela geração não tivesse o mesmo triste fim de seus pais, que pereceram no deserto por causa da incredulidade (Hb.3:19). É importante notar que Acã foi incapaz de glorificar a Deus, apesar do pedido de Josué neste sentido, exatamente porque, ao amar as coisas materiais, havia desprezado e menosprezado o Senhor.

- Não foi outro o motivo pelo qual Agur pediu a Deus que não se tornasse um homem extremamente rico, pois a posse excessiva de riquezas dá ao homem a sensação de que não precisa de Deus (Pv.30:8,9). Esta ilusão de que as coisas materiais trazem satisfação a todas as necessidades do homem, ilustrada por Jesus na parábola do rico insensato (Lc.12:13-21), é o principal motivo por que o Senhor afirma que é difícil a salvação dos ricos (Mt.19:24; Mc.10:25; Lc.18:25).

- A prática materialista também se intensificou com o início da Modernidade. A acumulação de riquezas passou a ser a principal preocupação dos povos com o aumento do comércio em escala mundial e a organização econômica que passou para a história com o nome de “capitalismo”, “sistema econômico baseado na legitimidade dos bens privados e na irrestrita liberdade de comércio e indústria, com o principal objetivo de adquirir lucro”. Vivemos hoje num mundo onde há uma corrida desenfreada para o acúmulo de riquezas, onde todos buscam tão somente amealhar bens para si. Há um consenso de que o homem foi feito para a riqueza material e que a vida se resume a posse de fortunas. No entanto, não é este o ensino de Jesus. O Senhor é bem claro ao afirmar que “a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” (Lc.12:15 “in fine”).

- A prática materialista tem se disseminado em todo o mundo. Se a queda dos regimes comunistas causou um impacto no pensamento filosófico materialista, foi um grande impulso para a intensificação da prática materialista. A preponderância dos países capitalistas na chamada “guerra fria”, nome como ficou conhecido oconfronto entre os países capitalistas e os países comunistas entre 1945 e 1989, fez com que se criasse a ideia de que o sistema capitalista é o melhor sistema econômico que existe e que deve ser, por isso, adotado pelo mundo inteiro.

- Nesta ideia que se disseminou mundo afora, temos  a exaltação da posse de bens materiais e um consumismo desenfreado, que é a razão de ser de milhões e milhões de pessoas, inclusive daqueles que não tem recursos materiais suficientes sequer para a sua sobrevivência. Com efeito, mesmo as camadas miseráveis das diversas sociedades deste mundo têm voltadas as suas esperanças à posse de riquezas. O sonho de toda pessoa é se tornar rica, milionária e famosa, pouco importando o que tenha de fazer para atingir esta posição.

- As pessoas, por sua vez, são julgadas e julgam as outras pelo que possuem, pelo seu patrimônio, numa completa inversão de valores morais e éticos. O materialismo distorce totalmente aos relacionamentos entre os homens, que passam a ser, sobretudo, relacionamentos interesseiros, voltados para a obtenção de vantagens econômico-financeiras. Até mesmo os relacionamentos afetivos passam a ser guiados por motivos econômicos e financeiros, a ponto de muitos constituírem ou destruírem lares e famílias por motivos puramente patrimoniais.

- Na própria igreja, o materialismo também fincou raízes. As Escrituras já haviam predito que, nos últimos dias, haveria, no meio do povo de Deus, falsos mestres que não teriam qualquer pudor mas, após terem negado o Senhor que os resgatara, iriam fazer dos crentes negócio com palavras fingidas (II Pe.2:1-3). O “segmento gospel” tem sido um dos segmentos do mercado que mais crescimento tem tido no Brasil nos últimos anos e, segundo os especialistas, tem ainda muito para crescer. Lamentavelmente, como bem afirma o sociólogo da religião, Antonio Flávio Pierucci, cada vez mais as igrejas estão a oferecer “serviços lábeis (i.e., instáveis, passageiros, adaptáveis – observação nossa) (…)não permanentes e de consumo imediato, o mais das vezes oferecidos em troca de pagamento.…” (PIERUCCI, Antonio Flávio. Religião. Folha de São Paulo, caderno Mais!. 31 dez. 2000. p.20-1).

- Não devemos, portanto, nos assustar com o crescimento da chamada “teologia da prosperidade”, que nada mais é que a introdução do materialismo na pregação do evangelho. Com efeito, passou-se a pregar um evangelho que traz vantagens patrimoniais, um evangelho que exalta e enaltece a posse de riquezas, um evangelho que, embora fale em Cristo, está, na verdade, levando o povo a Mamom. As pessoas correm a Jesus, mas porque querem se apegar às riquezas. Buscam o favor de Cristo, mas para poderem ter o carro novo, a casa nova, para serem empresários. Em nome de Jesus, estão a proliferar a avareza e o amor do dinheiro. Tenhamos cuidado com este falso evangelho, com esta investida materialista travestida de cristã e de evangélica, pois, “…alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” (I Tm.6:10b).

- Na verdade, estes “pregadores de prosperidade” nada mais são que escravos do dinheiro e das coisas materiais. Vivem em função da acumulação de riquezas, vivem à busca das coisas desta vida, num sentido diametralmente oposto ao que se lê na Bíblia Sagrada, que manda aos crentes buscar as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus (Cl.3:1). 

Por isso, como verdadeiros estelionatários, procuram satisfazer a sua ganância através da ganância alheia. Assim, exploram o povo e arrancam verdadeiras fortunas dos bolsos destes incautos, vendendo a imagem de um Deus que faz barganhas com os Seus servos e que, ante o “sacrifício”, ante o “tudo” que foi entregue, serão ricamente abençoados e enriquecidos pelo Senhor. No fundo, porém, quem enriquece são estes mesmos pregadores ou, então, as instituições para as quais eles trabalham. Neste relacionamento estabelecido em cima da “pregação da prosperidade”, só temos que nos recordar das palavras do apóstolo: “…os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados.”(II Tm.3:13).

- O materialismo também se manifesta no tratamento feito com base nos bens que as pessoas possuem. Já na igreja primitiva, Tiago repreende a acepção de pessoas por causa das posses de alguém (Tg.2:1-9). Este comportamento revela que o coração da pessoa não se encontra cheio do Espírito de Deus, mas, ao contrário, é um coração voltado única e exclusivamente para as riquezas, para Mamom. Quando julgamos as pessoas pelo que elas têm e não pelo que elas são, estamos fazendo da nossa vida uma prática materialista.

- O mundo vive desta maneira, mas nós temos de ser diferentes. Recentemente, lemos reportagem em que pessoas de proeminência do mundo econômico e financeiro que tiveram problemas e perda de patrimônio testemunhavam que, de uma hora para outra, desapareceram os amigos de outrora, tendo, mesmo, alguns sido convidados a se retirar de clubes e entidades de que participavam e cuja participação, até bem pouco tempo atrás, era referência que a própria entidade fazia questão de divulgar para angariar novos integrantes. Muitos, porém, dentro das igrejas locais, têm se comportado da mesma forma, fazendo com que as relações de amizade sejam apenas jogos de interesses, manifestações de ganância e de cobiça, sejam evidências de que se está servindo a Mamom e não, a Deus.

- Como podemos verificar, portanto, se o pensamento materialista pode ser algo distante para a realidade de cada crente, se o pensamento materialista pode estar um tanto quanto fora de moda, depois da derrocada do comunismo, o que estamos aqui a denominar de prática materialista é algo bem presente e que tem, infelizmente, frequentado e dominado a vida de muitos que cristãos se dizem ser.

IV – A AFLIÇÃO DA PERDA DOS BENS TERRENOS

- Dentro deste quadro materialista que domina o mundo e, inclusive, se infiltrou na igreja, é claríssimo que a aflição decorrente da perda dos bens terrenos é algo que tem sido de difícil enfrentamento por parte dos que cristãos se dizem ser, já que, no mais das vezes, encontramo-nos influenciados pela mentalidade materialista que faz com que ponhamos nossos corações naquilo que possuímos em vez de n’Aquele que nos concede ter o que temos.

- O Senhor Jesus, no sermão do monte, foi explícito ao afirmar que não devemos pôr nossos corações nas coisas desta Terra, pois elas estão sujeitas à perda, pois os tesouros terrenos podem ser consumidos pela traça, pela ferrugem e pelos ladrões, enquanto que os tesouros celestes estão imunes a estes fatores (Mt.6:19-20). Como se não bastasse, se temos nossos corações nos tesouros terrenos, aqui ficaremos, pois está nosso tesouro, também estará o nosso coração, de forma que, infelizmente, não podemos, confiando nas riquezas, alcançar a salvação (Mt.6:21; 19:23,24). Por isso até o apóstolo Paulo advertiu os crentes para que, em caso de enriquecimento, não pusessem sua confiança nas riquezas, mas em Deus (I Tm.6:17).

- A perda dos bens terrenos é apontada como uma possibilidade real neste mundo em que vivemos. O Senhor Jesus disse que os tesouros podem se perder seja por causa da traça, seja por causa da ferrugem, seja por causa dos ladrões. Quem tem bens deste mundo pode vir a perdê-los por causas naturais (traça), pela deterioração (ferrugem) como também pela ação do próprio homem (os ladrões).

- Os bens terrenos podem vir a perder-se por causas naturais, ou seja, pela própria ação da natureza que, como já vimos supra, por causa do pecado, não atua apenas favoravelmente ao homem, mas pode prejudicá-lo. Assim, por exemplo, um desastre natural, como um terremoto ou uma inundação, pode privar alguém de todo o seu patrimônio num só instante.

- Foi o que ocorreu com o patriarca Jó, que, de uma hora para outra, veio a perder suas ovelhas por causa de “um fogo que caiu do céu” (Jó 1:16) e um grande vento que fez com que desabasse a casa onde estavam seus filhos, vindo todos eles a falecer (Jó 1:18,19), causas naturais que fizeram com que o velho homem de Deus tivesse grandes perdas. Sabemos que tudo ocorrera por obra do diabo, por permissão divina, mas não deixou de serem causas naturais as que determinaram tais perdas a Jó.

- Os bens terrenos podem vir a perder-se por fatores de deterioração, de degeneração das próprias estruturas sócio-econômicas que fomentaram o crescimento do patrimônio de alguém. Assim, por exemplo, uma crise econômica, uma mudança tecnológica podem fazer com que negócios promissores, que traziam enormes riquezas para alguém, de uma hora para outra levem aquela pessoa à derrocada, à perda de seu “status” social. Nos dias em que vivemos, é muito comum este estado de coisas, de modo que muitos procuram se manter atualizados do ponto de vista tecnológico, para que não venham a ser surpreendidos por este fator de perda dos bens terrenos.

- Mas, também, os bens terrenos podem se perder por causa da ação maligna do homem, pela injustiça, pela prática de crimes e outras atividades ilícitas. Já estudamos que vivemos um período de aumento da violência e esta forma tem sido cada vez mais presente na perda dos bens terrenos. Voltando novamente ao caso de Jó, que é emblemático a respeito deste tema, vemos que o patriarca perdeu seus bois e jumentas pela ação de sabeus que roubaram o gado, além de matar todos os pastores que serviam ao homem de Uz (Jó 1:14,15), o mesmo ocorrendo com relação aos camelos, que foram roubados pelos caldeus (Jó 1:17).

- Ao contrário do que alegam, entre outros, os arautos da teologia da prosperidade,  não há qualquer imunidade dos salvos a estes fatores de perda de bens terrenos. Jó recebia testemunho da parte de Deus e, mesmo assim, o Senhor permitiu a Satanás que tomasse todos os bens de Jó, o que o destruidor fez num só momento, num só instante, mostrando todo o seu nefando caráter.

- Vivemos num mundo que está no maligno e, deste modo, não há porque acharmos que estamos isentos de ter a perda dos bens terrenos, bens que nos são concedidos por Deus, mas bens que estão num mundo em que a terra concorre contra nós e onde habita a injustiça. Por isso, os fatores que existem no mundo concorrem para que nossos bens terrenos estejam sujeitos à destruição.

- O importante, entretanto, não é que nossos bens terrenos estejam sujeitos a serem perdidos, mas que nossos corações neles não estejam confiados, pois, se assim ocorrer, teremos a mesma reação que teve o patriarca Jó.

- Ao receber a notícia de que perdera, num só dia, tudo quanto havia adquirido ao longo de seus anos de vida, naturalmente o patriarca se abateu, sentiu o impacto de ter perdido o trabalho de anos e anos. Não podemos esperar outra reação de quem se vê numa situação de perda dos bens terrenos: a tristeza advém, inevitavelmente, porquanto é a perda de anos a fio de trabalho árduo, aflição que aumenta ainda mais quando se está diante de alguém que serve a Deus e que tudo adquiriu, por conseguinte, com honestidade e o próprio suor.

- Por isso, as Escrituras nos dizem que Jó, ao ter conhecimento de que passara a ser um homem miserável, sem bens e sem família, levantou-se, rasgou o seu manto e rapou a sua cabeça, gestos que, no Oriente Antigo, simbolizavam humilhação e profunda tristeza (Jó 1:20).

- Mas o patriarca não se limitou a chorar as suas misérias, atitude absolutamente normal para um ser humano que é dotado de afeição e de amor próprio. Apesar de profundamente abalado e triste, Jó não deixou de adorar a Deus! Sim, o texto é bem claro ao nos dizer que Jó adorou (Jó 1:20), tendo exclamado, então: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor (Jó 1:21).

- No momento da perda dos bens terrenos, Jó adorou ao Senhor, reconheceu o Seu senhorio sobre todas as coisas e que o Senhor que lhe havia dado tudo, poderia tomar tudo, se o quisesse. Jó reconheceu que, quando saíra do ventre de sua mãe, saíra nu, sem qualquer bem e, por isso, se o Senhor quisesse que ele assim tornasse ao pó, sem nada possuir, não lhe estava tirando coisa alguma, fazendo-o terminar a própria vida como a iniciara, ou seja, sem coisa alguma na face da Terra.

- Temos nós, irmãos, compreendido esta realidade de que tudo pertence a Deus e que Deus pode  nos tirar o que nos deu a qualquer momento se assim o desejar? Temos nós compreendido que saímos nus do ventre de nossas mães e que se voltarmos ao pó nus não teremos nada mais nada menos do que somos?

- A corrida pelos bens materiais que temos presenciado, na atualidade, entre os que cristãos se dizem ser, inclusive em termos de “cobranças” e “exigências” a Deus, como se Ele fosse obrigado a nos enriquecer, é algo diametralmente oposto ao que vemos no patriarca Jó. Jó perdeu tudo, sem que tivesse pecado, e provou onde estava o seu coração neste momento extremamente angustiante: seu coração estava em Deus e não nos bens que possuía, nem mesmo em seus filhos. Diante das calamidades que lhe sucederam num só dia, Jó ainda tinha o seu Deus e a Ele prestou adoração!

- Jó apresentou este sentimento que o apóstolo Paulo explicitaria no capítulo 8 de sua carta aos Romanos, quanto afirmou que nada nos pode separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm.8:35-39). O apóstolo afirma que nem a fome, nem a nudez, nem a tribulação, nem a angústia, nem o perigo, nem a espada, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura pode separar o crente fiel do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

- A perda dos bens terrenos foi permitida por Deus no caso de Jó para que se mostrasse a Satanás que Jó não servia a Deus por causa dos bens que o Senhor lhe havia dado, mas servia a Deus por causa  d’Ele mesmo. Muitas vezes, a perda dos bens terrenos tem este papel de mostrar não só a nós mesmos mas a todos que nos cercam onde está alicerçada a nossa fé, onde está alicerçado o nosso amor.

- A perda dos bens terrenos vem nos mostrar que devemos servir única e exclusivamente ao Senhor dos bens e não aos bens do Senhor. A perda dos bens terrenos vem desnudar a nossa estrutura espiritual, vem nos mostrar a quem realmente servimos e isto é fundamental para que os bens materiais não impeçam a nossa salvação.

- O chamado “mancebo de qualidade” (Mt.19:16-25; Mc.10:17-26 e Lc.18:18-26), quando confrontado tão somente com o desafio de se livrar de seus bens materiais pelo Senhor Jesus, bem revelou em que estava alicerçada a sua confiança. Apesar de seu anelo pela vida eterna e de sua exemplar e rigorosa religiosidade, ao ser confrontado com seus bens materiais por Cristo, revelou que sua fé estava embasada em suas riquezas e, por isso, não aceitou servir ao Senhor. De igual maneira, lamentavelmente, muitos religiosos de nosso tempo também têm rejeitado seguir a Cristo Jesus por causa de suas riquezas. Que Deus nos livre deste laço do demônio!

- Como bem nos faz ver o relato do texto sagrado a respeito de Jó, ele não pecou porque reconheceu a soberania de Deus sobre os bens terrenos, não tendo também atribuído a Deus falta alguma por tudo o que lhe ocorrera (Jó 1:22).

- Diante da perda dos bens terrenos, deve, pois, o crente, se quiser permanecer sem pecado e, consequentemente, apto a entrar no reino dos céus, não pode, de modo algum, culpar a Deus pelo acontecido.

Muitos são os que, além de perder os bens terrenos, também perdem a salvação porque, diante da perda dos bens terrenos, atribui a Deus a culpa, revoltam-se contra o Senhor, esquecendo que nós é que devemos servil’O e não Ele a nós.

- Jó não atribuiu a Deus falta alguma e entendeu que, como Senhor de todas as coisas, a Divindade poderia retirar de Jó, no momento que quisesse, tudo quanto o patriarca havia amealhado ao longo de sua existência. Devemos ter o mesmo comportamento: Deus é o Senhor de tudo e, como todo proprietário, pode, a qualquer momento, decidir que aquilo que nos confiou seja retirado de nossa administração.

- Não é fácil agirmos desta maneira, mas é assim que devemos agir. Se isto nos é difícil, peçamos graça a Deus que nos dará, em nosso íntimo, esta atitude, pois devemos servir ao Senhor e não aos bens do mundo que Ele nos dá. Devemos amar o Senhor e não aos bens que Ele nos concede. Se amarmos as riquezas, estaremos servindo a Mamom e, “ipso facto”, não amaremos a Deus, pois não é possível servir a um e outro simultaneamente (Mt.6:24).

- A perda dos bens terrenos pode ser uma ação divina para impedir que O rejeitemos como fez o “mancebo de qualidade”. Como todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados pelo Seu decreto (Rm.8:28), Deus, em muitas situações, permite que percamos tudo quanto possuímos para que não venhamos a perder o dom mais precioso que nos deu: a salvação. Como as coisas materiais se  constituem em um grande obstáculo para que alcancemos a salvação (Mt.19:23), muitas vezes somos desapossados destes bens para que não percamos a vida eterna.

- São poucos, muito poucos, aqueles que, a exemplo de Salomão, chegam à consciência de que os bens terrenos todos são vaidade (Ec.6:2) e que, por isso, devemos servir a Deus. Por isso, muitas vezes, iludido pela posse de muitos bens, o homem é confrontado com a sua perda para entender que o Senhor é o verdadeiro e único bem. A perda dos bens terrenos, portanto, constitui-se no maior lucro que se pode ter, que é o reconhecimento do real valor da salvação em Cristo Jesus, bem que todo o patrimônio do mundo não pode adquirir (Sl.49:6-8).

- A perda dos bens terrenos mostra-nos a natureza terrena destes bens. Por isso, o apóstolo João denominou as riquezas da terra de “bens do mundo” (I Jo.3:17). Assim os denominou precisamente porque são bens passageiros, pois “o mundo passa e a sua concupiscência” (I Jo.2:17a). Quando perdemos os bens terrenos, notamos seu caráter passageiro, como também a perenidade daquele que faz a vontade de Deus (I Jo.2:17b).

- A perda dos bens terrenos faz-nos ver que o homem é superior às demais criaturas terrenas. Quando se tem a perda dos bens terrenos, há, ainda, a permanência daquele que os possuía. O entenebrecimento da mente humana pelo materialismo faz com que passemos a servir à criatura em vez de ao Criador (Rm.1:21-23), com que amemos o dinheiro e não a Deus, passando, então, a adorar as riquezas, a servi-las e não ao Senhor de todas as coisas (Cl.3:5).
- No entanto, quando estes bens terrenos desaparecem, notamos claramente que somos superiores a eles e que, portanto, não poderíamos viver em função deles, mas eles é que existem em função de nós. Isto nos faz compreender a tolice que é a conduta materialista e nos permite nos aproximar de Deus, o único e verdadeiro Bem.

- A perda dos bens terrenos permite-nos também apreciar não só a nossa fé, a nossa estrutura espiritual, mas, também, a estrutura daqueles que nos cercam. Quando perdemos tudo quanto temos, já o dissemos supra, também desaparecem de nossas vidas muitos daqueles que se diziam nossos amigos, nossos companheiros. A perda dos bens terrenos permite-nos avaliar a natureza dos nossos relacionamentos, desnudam o caráter daqueles que estavam ao nosso redor. Não é à toa que o proverbista afirma que: “Em todo o tempo ama o amigo; e na angústia nasce o irmão” (Pv.17:17).

- A perda dos bens terrenos permite-nos compreender a soberania divina e a nossa dependência de Deuse, por conseguinte, nos tornar ainda mais próximos do Senhor. Quando ficamos sem o que possuímos, passamos a entender que dependemos exclusiva e unicamente de Deus e que, portanto, não podemos nos orgulhar daquilo que viermos a adquirir, mas devemos sempre dar graças ao Senhor por aquilo que temos. A perda dos bens terrenos impede-nos de chegar à soberba e à autossuficiência, sentimentos que nos impedirão de viver com o Senhor por toda a eternidade.

- Jó admitiu esta sua situação de dependência de Deus quando, já próximo do final de seu cativeiro, reconheceu que tudo quanto soubera de Deus era apenas um “ouvir dizer”, mas que a situação de extrema penúria que havia vivido lhe revelara quem realmente era o Senhor (Jó 42:1-6). Deus, assim, cumprira o Seu propósito na vida do patriarca, que não era, em absoluto, o de provar ao diabo a sinceridade do Seu servo, mas de fazê-lo se aproximar ainda mais do seu Senhor. A doença e a perda dos bens terrenos cumpriram, pois, este papel de aproximar Jó ainda mais de Deus.

- A perda dos bens terrenos é uma oportunidade para que exerçamos o amor ao próximo. Diante de alguém que perdeu tudo quanto possuía, devemos mostrar que servimos a Deus, ajudando-lhe a se reerguer, dando-lhe o necessário para a sua sobrevivência imediata e criando condições para que possa, por meio do trabalho, voltar a adquirir bens que sirvam à satisfação de suas necessidades. Por isso, o apóstolo João disse que parte dos bens do mundo que Deus nos dá é, precisamente, para que venhamos a suprir as necessidades daqueles que nada têm (I Jo.3:17,18).

- A perda dos bens terrenos é uma oportunidade que Deus nos dá de evangelizarmos o mundo, de mostrarmos que temos o amor de Deus e que Deus não só nos ama mas a todos os homens. A ação social da igreja em favor dos pobres e dos menos favorecidos é uma importante demonstração do amor de Deus que está em nós e pode, assim, levar à salvação de muitos.

- Por fim, antes de encerrarmos este estudo, devemos falar um pouco sobre a chamada “teoria da restituição”, mais uma das invencionices que tem tumultuado a fé de muitos que cristãos se dizem ser. Segundo esta teoria, Deus seria obrigado a restituir tudo quanto perdemos de bens terrenos. É conhecido, aliás, um cântico que fez muito sucesso no “mercado gospel”, onde o poeta de falsa inspiração exclama: “restitui, eu quero de volta o que é meu”.

- Trata-se de mais uma distorção grave do que nos ensina a verdade bíblica. Deus é o dono de todas as coisas e, portanto, quando as toma não é obrigado a restituir coisa alguma, já que tudo é dele. Quando alguém exclama “restitui, quero de volta o que é meu”, está falando uma tolice, pois nada é nosso, salvo os nossos pecados e, uma vez perdoados, o Senhor não no-los dará de volta (Jr.31:34; Mq.7:18; Hb.8:12,17).

- Vimos que a perda dos bens terrenos tem diversos propósitos, e, dependendo do propósito, Deus não irá restituir tudo de volta àquele que perdeu os bens terrenos. Jó recebeu tudo em dobro, é bem verdade, mas porque havia ali um propósito de aproximar Jó mais de Deus, de impedi-lo de chegar à soberba, mas, também, havia a necessidade de restituição, visto que tudo ocorrera em virtude de desafios satânicos que, uma vez desmascarados, impunham a devolução dos bens terrenos ao patriarca, mas Deus não se limitou a devolver o que tivera, mas a lhe dar tudo duplicado (Jó 42:10).

- Nem sempre, porém, isto acontece. O rei  Manassés, de Judá, foi privado por Deus, em virtude da sua impiedade, da liberdade, do governo e de seus bens, arrependeu-se e Deus lhe restaurou a situação anterior, devolvendo-se tudo quanto dantes possuía, sem, porém, fazer a multiplicação que fizera com Jó (II Cr.33:11-13).

- Com Mefibosete, a situação foi diferente. Por causa de uma mentira de seu servo Ziba, Mefibosete foi privado de todo o seu patrimônio por uma ação insensata de rei Davi (II Sm.16:4) e, mesmo depois de revelada a injustiça cometida, teve tão somente a restituição de metade do seu patrimônio (II Sm.19:29) e Mefibosete, mostrando que não era um “cobrador de restituição”, abriu mão  até da metade que se lhe devolveu, pois seu prazer não era o que o rei lhe dera, mas o amor ao próprio rei, como figura perfeita do verdadeiro e genuíno cristão, que quer ter o Deus dos bens e não os bens de Deus (II Sm.11:30).

- Com outro rei de Judá, Joaquim, a situação foi ainda diferente. Depois de passar anos no cativeiro, teve melhorada a sua situação em Babilônia, mas não readquiriu o que havia possuído antes, tendo tão somente lhe sido dada a honra de desfrutar da companhia do rei, uma situação nitidamente inferior à que possuía anteriormente (Jr.52:31-34).

- A promessa que o Senhor Jesus dá aos Seus discípulos não é de “restituição”, mas, sim, de que a vida que temos n’Ele neste mundo é “cem vezes mais” do que o que tínhamos antes da salvação, como deixou claro aos discípulos logo após o episódio do “mancebo de qualidade” (Mt.19:27-30; Mc.10:28-31 e Lc.18:28-30).

- Este cêntuplo, entretanto, não pode nem deve ser interpretado em termos materialistas, como fazem os arautos da teologia da prosperidade em nossos dias, pois, se assim fosse, o Senhor Jesus teria mentido, pois, ao lermos a história da Igreja, observarmos que os discípulos não tiveram qualquer melhora econômicofinanceira após o início de seus ministérios, mas, bem ao contrário, um decréscimo patrimonial evidente.

- Este cêntuplo, como ensina o pastor e teólogo irlandês John Nelson Darby (1800-1882), está relacionado com a glória de Deus que foi trazida pelo Senhor Jesus. Passamos a desfrutar, desde já, a comunhão com o Senhor, a compartilhar de Sua glória, ainda que parcialmente, e este desfrute é “cem vezes mais” do que qualquer coisa que o mundo possa nos oferecer. Por isso, a decisão de servir a Cristo e não às riquezas, como afirma Darby, é “…decisão que não será estabelecida sobre as aparências, nem segundo o lugar que os homens ocupam no velho sistema, e perante os outros homens. Muitos dos primeiros serão os últimos — e muitos dosúltimos serão os primeiros. Com efeito, era de recear que  o coração carnal do homem, num espírito mercenário, nem aceitasse o encorajamento como forma de recompensa por todo o seu trabalho e por todos os seus sacrifícios, e procurasse fazer de Deus seu devedor” (Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos. Trad. de Dr. Martins do Vale, p.141).

- Este cêntuplo tem, também, um teor material, pois como afirma Russell Norman Champlin, “…o discípulo obtém muitas outras possessões materiais, porquanto tudo quanto pertence aos seus novos irmãos, agora é seu também.…” (Novo Testamento interpretado versículo por versículo, com. Mt.19:29, v.1, p.494).

- Temos, portanto, que fundamento bíblico algum tem a chamada “teoria da restituição”, que não passa de mais uma artimanha satânica para fazer o salvo em Cristo Jesus de perder a sua salvação, passando a buscar as riquezas em vez de buscar ao Senhor. Que Deus nos guarde pois!

Caramuru Afonso Francisco

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