LIÇÃO Nº 2 – O PROPÓSITO DA TENTAÇÃO
Título
INTRODUÇÃO
- No estudo da carta de Tiago, neste trimestre, analisaremos nesta lição o propósito da tentação.
- As provações são necessárias para o crescimento espiritual do cristão.
I – UMA MARCA DA VIDA CRISTÃ: AS TENTAÇÕES E PROVAÇÕES
- Após termos tido uma aula introdutória a respeito da epístola de Tiago, passaremos ao estudo de seu teor.
- Extremamente interessante é o fato de o irmão do Senhor iniciar a sua carta falando da necessidade de terem os crentes, a quem chama de “meus irmãos”, gozo por “caírem em várias tentações”, expressão que a Versão Almeida Revista e Atualizada traduz por “passarem por várias provações”; a Bíblia de Jerusalém por “serem submetidos a múltiplas provações”; a Nova Versão Internacional, “passarem por diversas provações”; a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, “passarem por todo tipo de aflições”.
- Tiago inicia, assim, a sua carta mostrando que uma marca característica da vida cristã é a “provação”, a “aflição”, ou seja, a passagem por circunstâncias adversas, contrárias ao imediato bem-estar, à vontade do cristão. A vida cristã é apresentada por Tiago, portanto, como algo cercado de dificuldades e de contrariedades.
- Sem dúvida alguma, esta expressão de Tiago não era um exercício de pessimismo nem tampouco de falta de fé. Inspirado pelo Espírito Santo, tendo testemunhado, como ninguém, por ser meio-irmão de Jesus, tratava-se de uma expressão realista, de uma afirmação que continha a própria experiência do pastor da igreja de Jerusalém.
- Com efeito, Tiago, como ninguém, sabia o que era sofrer por causa do Evangelho. Lembremos que ele destina a sua carta para “as doze tribos dispersas”, ou seja, ainda que entendamos que nesta expressão não estejam apenas os crentes judeus, eles também estão incluídos e, como pastor da Igreja de Jerusalém, não devemos nos esquecer que muitos cristãos judeus haviam ido para outras plagas do Império Romano (e até fora dele), exatamente por causa da impiedosa perseguição que sofriam em Jerusalém e na Judeia, onde, via de regra, estavam sempre a padecer necessidades de toda ordem, inclusive materiais (cf. At.8:1; Rm.15:26; I Ts.2:14).
- Se certos estiverem os estudiosos que entendem que a carta foi escrita pouco antes da morte de Tiago, entende-se, ainda mais, a afirmação do autor da carta, porquanto os cristãos viviam dias extremamente turbulentos em Jerusalém, a ponto de Tiago ter sido, pouco depois, ele próprio morto por causa da sua fé em Cristo Jesus.
- Esta afirmação de Tiago ecoa as últimas palavras que Jesus dirigiu aos Seus discípulos nas Suas últimas instruções, como narrado pelo evangelista João: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (Jo.16:33).
- O Senhor Jesus quis deixar aos Seus discípulos uma última mensagem antes que eles O abandonassem, no início de seu processo de paixão e morte. Quis deixar bem claro aos cristãos que não podemos esperar outra coisa neste mundo a não ser aflições. É esta a marca que caracteriza o verdadeiro e genuíno cristão neste mundo: a aflição.
- Vemos, portanto, como ilusórias e mentirosas são as ideias que têm sido propaladas em nossos púlpitos, nos últimos dias, a respeito de uma “prosperidade”, de uma “imunidade a doenças e a problemas ou dificuldades”, que seria a característica da vida daquele que serve a Cristo Jesus. O Senhor foi claro ao mostrar que o que nos aguarda nesta vida são aflições e Tiago, logo no introito de sua carta, repete este mesmo ensino: a vida cristã é permeada de dificuldades, é caracterizada pelas adversidades. Mas por que isto é assim?
- O salvo em Cristo Jesus é luz do mundo (Mt.5:14), é filho da luz e filho do dia (I Ts.5:5), anda na luz (Jo.3:21; I Jo.1:7), reflete como espelho a glória de Deus (II Co.3:18), resplandece como astro no mundo (Fp.2:15). Ora, o mundo está no maligno (I Jo.5:19), porque as obras dos homens são más, de modo que andam eles em trevas (Jo.3:19,20), sendo filhos da noite e das trevas (I Ts.5:4,5). Como não há comunhão entre a luz e as trevas (II Co.6:14), tem-se que o salvo em Cristo é aborrecido pelo mundo, um verdadeiro “corpo estranho” que, como tal, será sempre confrontado, atacado e perseguido.
- Não há, portanto, como servir a Deus de forma genuína e autêntica e não ser alvo do aborrecimento do mundo, o que nos gerará contrariedades, dificuldades, adversidades, produzidas tanto pelo mundo, como pelo diabo e seus anjos, como, também, pela própria natureza pecaminosa que existe em nós e que foi mortificada com Cristo quando O recebemos como nosso Senhor e Salvador.
- Charles Spurgeon disse, com muita propriedade, que a fé é o ponto essencial que é atacado pela tentação ou tribulação. “…É a sua fé que é tentada. É suposto que você tem fé. Vocês não são o povo de Deus, não são verdadeiros irmãos a menos que vocês sejam crentes. É esta fé de vocês que é particularmente odiosa a Satanás e ao mundo que jaz no maligno. Se vocês não tivessem fé, eles não seriam seus inimigos.
Mas a fé é a marca dos escolhidos de Deus e, consequentemente, Seus inimigos tornam-se os inimigos dos fiéis, espalhando seu veneno especialmente sobre a fé. O próprio Deus pôs inimizade entre a serpente e a mulher — entre a semente da serpente e a semente da mulher — e esta inimizade tem de se mostrar.…” (SPURGEON, Charles H. Toda alegria em todas tribulações. Sermão pregado na manhã de domingo de 4 de fevereiro de 1883 no Tabernáculo Metropolitano de Newington, p.2. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols28-30/chs1704.pdf Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em inglês). Assim, de pronto, vemos que o fato de sofrermos aflições é uma comprovação de que temos fé.
- Esta é a razão, então, pela qual Tiago manda que nos alegremos, que tenhamos “grande gozo” quando passamos por circunstâncias adversas. O fato de estarmos passando por aflições é um sinal de que realmente servimos a Deus, de que estamos no caminho certo, de que estamos andando na luz. “Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não vem para a luz para que as suas obras não sejam reprovadas” (Jo.3:20).
- Tiago mostra-nos, portanto, que a existência de aflições, de uma oposição do mundo, da carne e do diabo contra o cristão é, antes, um sinal de autenticação da nossa vida com Cristo, é uma prova de que somos salvos e isto deve ser, para nós, um motivo de grande alegria, pois é uma evidência de que somos salvos, de que nosso nome está escrito no livro da vida do Cordeiro. Como nos ensinou o próprio Senhor: “Mas não vos alegreis por que se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus” (Lc.10:20).
- O cristão não é um masoquista. Não se alegra por causa do sofrimento, mas, sim, diante do sofrimento injustificado, da oposição gratuita, enxerga a oposição do mundo, da carne e do diabo contra si, como prova de que anda na luz e, portanto, vê neste sofrimento a autenticação da sua salvação e esta salvação que lhe promove a alegria (Sl.51:12). OBS: “…o maior deleite consiste na contemplação da verdade.
No entanto, todo deleite mitiga a dor (…). Por conseguinte, a contemplação da verdade mitiga a tristeza e a dor, e tanto mais quanto se é um amante da sabedoria. E, por isso, os homens se alegram em meio às tribulações pela contemplação das coisas divinas e da futura bem-aventurança, segundo Tg.1:2: ‘Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações’.
E, ainda mais, semelhante gozo se encontra em meio aos tormentos corporais, como o mártir Tibúrcio, que, andando com os pés desnudos sobre carvões acesos, disse: Parece que caminho sobre rosas em nome de Jesus Cristo.…” (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. n.764. I-II q.38 a.4. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em espanhol).
- Estas palavras de Tiago também ecoam a última das bem-aventuranças do sermão do monte. Ali, o Senhor Jesus manda que nos alegremos quando formos injuriados e perseguidos e disserem todo o mal contra nós por causa d’Ele, porque esta é a certeza de que teremos grande galardão nos céus, de que somos, efetivamente, salvos (Mt.5:11,12).
- Nota-se, portanto, que o verdadeiro significado bíblico da vida cristã é a de uma vida repleta de oposições, dificuldades, contrariedades, em virtude da própria circunstância de que estamos num mundo que está no maligno, mundo a que não pertencemos, mundo que nos aborrece, assim como aborreceu ao Senhor Jesus (Jo.15:18-21).
OBS: “…Mas, acrescente-se, que muitos cristãos têm sofrido males extremos. Você se esquece que um cristão foi feito para sofrer males temporais e para esperar bens eternos. É de você, pagão, que se deve lamentar. Pois você perdeu os bens terrenos sem ter obtido ainda os bens eternos. O cristão, ao contrário, deve refletir nestas palavras: ‘Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações’ (Tg.1:2)…(AGOSTINHO. Sermão CCXCVI, pronunciado por volta do ano 410, à época do saque de Roma, Festa de São Pedro e de São Paulo. II, As aflições temporais. n. 296. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em francês).
- As provações, portanto, são decorrência, em primeiro lugar, desta natural oposição que existe entre a luz e as trevas, é consequência da própria decisão que tomamos em seguir o Senhor Jesus. Por isso mesmo, o Senhor disse que quem quisesse vir após Ele deveria renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz de cada dia (Lc.9:23).
- No entanto, as provações não servem apenas para nos dar a alegria da certeza da nossa salvação, mas, na infinita misericórdia divina, representam um outro passo importante para a vida cristã, a saber: o crescimento espiritual.
- Tiago faz questão de dizer que a prova da nossa fé, que são as próprias provações sofridas, tem como resultado gerar a paciência (Tg.1:3). Paulo, escrevendo aos romanos, também nos mostra que a paciência é gerada pelas tribulações (Rm.5:3).
OBS: “…O homem que verdadeiramente tem paciência é o homem que foi tentado. Que tipo de paciência ele recebe da graça de Deus? Primeiro, ele obtém uma paciência as tribulações vindas da parte de Deus sem murmuração. Resignação calma não vem de uma vez — frequentemente longos anos de dor física, ou depressão mental, ou desapontamentos nos negócios, ou privações multiplicadas são necessárias para trazer à alma à inteira submissão da vontade de Deus. Depois de muito chorar, a criança desmama. Depois de muito castigo, o filho obedece à vontade de seu pai.
Por degraus, nós aprendemos a terminar nossa disputa com Deus e desejar que não haja mais duas vontades entre Deus e nós mesmos, mas que a vontade Deus seja a nossa vontade. Ó, irmãos e irmãs, se suas tribulações produzem isto, vocês são vencedores, tenho certeza, e vocês podem tomá-las com toda a alegria!…” (SPURGEON, Charles H. op.cit., p.6).
- A palavra “paciência”, em ambas as passagens, é a palavra grega “ypomoné” (ύπομονή), cujo significado é de “paciência, firmeza, perseverança, fortaleza”. Através dos diversos embates que há entre o salvo e este mundo, dos diversos confrontos existentes entre a luz e as trevas, o salvo vai se fortalecendo na fé, sua fé vai ficando cada mais firme, ele se torna cada vez mais forte espiritualmente, tendo condições, assim, de continuar a sua peregrinação terrena caminhando até o estágio último do processo da salvação, que é a glorificação, que ocorrerá no dia do arrebatamento da Igreja, pois só aquele que perseverar até o fim será salvo (Mt.24:13).
OBS: “…A imitação da paciência de Cristo é o terceiro fruto a ser recolhido da consideração da quinta palavra [a quinta palavra de Jesus na cruz: ‘Tenho sede” – observação nossa]. Na quarta palavra [ a quarta palavra de Jesus na cruz : ‘Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” – observação nossa], a humildade de Cristo, junto com Sua paciência, era notável. Na quinta palavra, resplandece só a Sua paciência.
No entanto, a paciência não é só uma das maiores virtudes, senão que é a mais necessária para nós. São Cipriano disse: ‘Entre todos os caminhos de exercício celestial, não conheço um mais proveitoso para este vida ou mais vantajoso para a próxima do que: aqueles que se esforçam com temor e devoção a obedecer aos mandamentos de Deus devam, sobre todas as coisas, praticar a virtude da paciência’. Mas antes que falemos da necessidade da paciência, devemos distinguir a virtude da sua falsificação. A verdadeira paciência nos permite suportar o infortúnio de sofrer sem cair na desgraça de pecar.(…)A verdadeira paciência tem a propriedade de incrementar e preservar todas as outras virtudes. São Tiago é nossa autoridade para este elogio da paciência e diz: ‘Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma’ (Tg.1:4).
Devido às dificuldades que nos encontramos na prática da virtude, nenhuma pode florescer sem a paciência, mas, quando as outras virtudes são acompanhadas desta, todas as dificuldades desaparecem, pois a paciência faz direitos os caminhos torcidos e suaves, os caminhos ásperos.
E isto é tão verdadeiro que São Cipriano, falando da caridade, a rainha das virtudes, clama: ‘A caridade, o laço da amizade, o fundamento da paz, o poder e a força da união, é maior que a fé e a esperança. . É a virtude da qual os mártires obtêm a sua constância e a que praticaremos para sempre no Reino dos Céus. Mas, separe-a da paciência, e submergirá; afaste dela o poder do sofrimento e da constância, e ela murchará e morrerá’ (Serm. ‘De Patientia’). …” (BELARMINO. As sete palavras. 67. Capítulo X. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em espanhol).
- As muitas contrariedades e dificuldades desta vida, portanto, são ocasiões que o Senhor nos dá para que cresçamos espiritualmente, para que nos aproximemos cada vez mais da perfeição, para que nos aperfeiçoemos a cada dia.
OBS: “… Que fazem, você diz, os maus neste mundo? Responde-me: Que faz a palha no forno do ourives? A palha não está lá inutilmente, creio, no forno onde o ouro se purifica. Vejamos, então, o que há lá. Lá há o forno, a palha, o ouro, o fogo e o ourives. Mas o ouro, a palha e o fogo estão dentro do forno, e o ourives está perto dele.
Considere, agora, este universo: o mundo, que é o forno; os maus, que são a palha; os bons, que são o ouro; as tribulações, que são o fogo; o ourives, que é Deus. Considere ainda: o ouro não se purifica se a palha não queima…” (AGOSTINHO. Sermão XV – A beleza da Igreja na mistura entre bons e maus [1]. n.15. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em francês).
- Vemos, portanto, com absoluta clareza, que um emblema como o “pare de sofrer”, uma teologia que defenda que a vida cristã é uma vida regalada, sem quaisquer dificuldades ou problemas, além de ser uma mentira deslavada, porque contraria o que dizem as Escrituras Sagradas, é, sobretudo, uma armadilha que quer levar o salvo para uma situação de estagnação espiritual, que não quer que haja o crescimento espiritual que é necessário a todo salvo.
OBS: “…Suportemos então o que Deus quer que suportamos. Não é ele o bom médico que conhece perfeitamente qual dor poderá nos sarar? Está escrito: ‘Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita’ (Tg.1:4). Qual será, então, a obra da paciência se não tivermos de sofrer coisa alguma? Por que vocês se recusam a sofrer os males temporais? Vocês têm medo de chegar à perfeição? Oremos com ardor em meio aos gemidos e às lágrimas, peçamos ao Senhor que realize a nosso respeito aquela boa palavra do Apóstolo: ‘Fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar’ (I Co.10:13)…” (AGOSTINHO. Ruína de Roma, n.9. Cap. VIII. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em francês).
- “…Nós necessitamos de tribulações como teste tanto quanto nós necessitamos da Verdade Divina como nosso alimento. Admiremos os tipos antigos postos na arca do concerto dos antigos — duas coisas foram postas juntas — o pote de maná e a vara. Vejam como a comida celestial e a regra celestial caminham juntas!
Vejam como nosso sustento e nossa disciplina são igualmente providos! Um cristão não pode viver sem o maná e sem a vara! Eles devem estar juntos. Eu quero dizer isto: que é tanto uma grande misericórdia ter nossa salvação provada para nós sob tribulação como ser ela sustentada pelas consolações do Espírito de Deus. Tribulações santificadas produzem a prova da nossa fé e isto e mais precioso do que o ouro que perece, embora ele seja purificado pelo fogo.…” (SPURGEON, Charles H. op.cit., p.4).
- Por isso, Tiago, ao dizer que a prova da nossa fé obra a paciência, também deseja que a paciência tenha a sua obra perfeita, para que os salvos sejam perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma. É através das aflições, que obram a paciência, que podemos atingir a perfeição, é este o caminho estatuído pelo Senhor para que alcancemos a glorificação e obtenhamos, naquele dia, a grande bênção de vivermos para sempre com o Senhor.
OBS: “…Diz-se que a paciência exerce uma obra perfeita ao tolerar os males, nos quais não só exclui a vingança injusta, que também exclui a justiça; ou o ódio, como faz a caridade; ou a ira, como faz a mansidão; senão que exclui até a tristeza imoderada, que é a raiz de todas as desordens mencionadas.
Por isso, porque, nesta matéria, extirpa a raiz, a paciência é a maior e mais perfeita virtude. Mas não é absolutamente mais perfeita que todas as demais virtudes; porque a fortaleza não só suporta as moléstias sem perturbação, o que pertence à paciência, senão que inclusive arremete contra elas quando é necessário.
Daí que o forte seja paciente, mas não o inverso, pois a paciência é uma certa parte da fortaleza.…” (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica n. 1324. I-II q.66 a.4. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em espanhol).
- É necessário, nestes dias tão difíceis em que vivemos, levar aos que cristãos se dizem ser, esta realidade espiritual aqui trazida por Tiago. As mazelas que passamos neste mundo são motivo de alegria para o salvo, são a comprovação de que ele está contra a corrente (cf. Ef.2:1-3), que o mundo o aborrece porque ele agrada ao Senhor e, em assim prosseguindo, não só cresceremos espiritualmente, mas chegaremos até o objetivo por nós traçado, que não é o de ter uma vida regalada sobre a face da Terra, mas, sim, entrarmos nas mansões celestiais. Temos entendido isto?
- Tiago retoma esta questão no versículo 12 do primeiro capítulo, depois de ter feito uma digressão a respeito da sabedoria humana (tema que será objeto da lição 3).
- O irmão do Senhor afirma que aquele que sofre tentação é bem-aventurado, ecoando, uma vez mais, o sermão do monte, trazendo uma importante informação, qual seja, a de que aquele que é provado e for aprovado nesta provação receberá um galardão que é a “coroa da vida”, que o Senhor tem prometido àqueles que O amam (Tg.1:12).
- Aqueles que creram em Cristo Jesus e que, por causa desta fé, suportam toda sorte de aflições, dificuldades, contrariedades e oposições, serão devidamente galardoados pelo Senhor. Este galardão é denominado de “coroa da vida”, porque quem confia em Deus e suporta todo o confronto, todo o embate, é alguém que sabe qual é o devido valor que se deve dar à vida eterna, à vida com Deus.
- Não é por outro motivo que o escritor aos hebreus diz que devemos olhar para Jesus, o autor e consumador da nossa fé, seguindo-O como exemplo, pois, em Seu ministério terreno, o Senhor desprezou a afronta e suportou as contradições dos pecadores contra Si mesmo, tendo recebido, como prêmio, o assentar-Se à destra do trono de Deus (Hb.12:2,3).
- O mesmo escritor aos hebreus também afirmou que quem tem fé não apenas crê que Deus existe mas que é o galardoador daqueles que O buscam (Hb.11:6). Assim sendo, o cristão genuíno e autêntico não se abala com os problemas que exsurgem diariamente na sua peregrinação terrena, mas, apesar das múltiplas dificuldades, vê o invisível, sabendo que o galardão que o espera é muito mais valioso e precioso do que qualquer vantagem momentânea e passageira que se possa angariar nesta Terra. Temos agido nesta perspectiva? Pensemos nisto!
- Mas cabe aqui, ainda, ver um outro ângulo, igualmente importante, sobre esta passagem bíblica. É que, como afirma o príncipe dos pregadores britânicos, Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), “…Tiago mostra –nos uma simpatia verdadeira com os crentes em suas tribulações — e esta é a principal parte do companheirismo cristão: ‘Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo’ [Gl.6:2].
Se nós mesmos não estamos sendo tentados, neste momento, outros estão — lembremo-nos dele em nossas orações, pois, no tempo devido, chegará a nossa vez — e nós seremos postos na prova severa. Se nós desejamos receber simpatia e ajuda em nossa hora de necessidade, vamos dar liberalmente para aqueles que estão agora enfrentando a tribulação.
Lembremos daqueles que estão presos, como se estivéssemos presos com eles e daqueles que sofrem aflição, como estando, nós mesmos, em seu corpo.…” (SPURGEON, Charles H. Toda alegria em todas tribulações. Sermão pregado na manhã de domingo de 4 de fevereiro de 1883 no Tabernáculo Metropolitano de Newington, p.1. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols28-30/chs1704.pdf Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em inglês). Temos agido assim?
II – O QUE É TENTAÇÃO
- Mas, depois de ter falado a respeito da provação, daquela adversidade que decorre da própria natureza da vida cristã num mundo que está no maligno, Tiago, também, vai falar da tentação no sentido de “tentativa do maligno” para que pequemos, de indução ao mal, daquilo que o Senhor nos ensinou a pedir que fôssemos livres na oração do Pai Nosso (Mt.6:13). Temos aqui outro tópico importante e que não pode ser confundido com o tema anterior da provação. Senão vejamos.
OBS: “…De verb. Dom. serm., 11. Há uma tentação que nos leva até o pecado, mas esta não é a que Deus tenta, porque se diz na carta de São Tiago: ‘que Deus não tenta para o mal’ (Tg.1:13) e há uma outra tentação que é para provar a fé, conforme se diz em Dt.13: ‘O Senhor, vosso Deus, vos tenta’. E assim se deve compreender o que Jesus Cristo perguntava no Evangelho tentando aquele discípulo [Jo.6:6 – observação nossa]…” (AGOSTINHO. Catena áurea n.12601. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em espanhol).
- A palavra “tentação” tem, em português, a mesma origem da palavra “tentativa”, ou seja, vem do verbo “tentar”, que envolve a ideia de se sugerir algo, de se projetar e planejar alguma coisa que não se realizou ainda. É o emprego de meios para se conseguir algo. Desta maneira, a tentação é apenas uma disposição de ânimo, não é uma alteração da realidade. Por isso, o tentado não é pecador, como nos indica, claramente, o texto de Hb.4:15.
OBS: “…A tentação ainda não é pecado, pois Cristo foi tentado, tal como nós o somos, mas permaneceu impecável (Hb.4:15; cf. Mt.4:1 e segs., Lc.22:28). A tentação só se torna pecado quando e conforme a sugestão ao mal é aceita e se acede à mesma.” (PACKER, J.I. Tentação. In: J.D. DOUGLAS (org.). O novo dicionário da Bíblia, v.II, p.1581).
- A “tentação” é uma sugestão, um projeto, uma proposta para a prática de algum pecado, para uma atitude de desobediência aos preceitos estabelecidos pelo Senhor. É por isso que Deus não pode tentar pessoa alguma nem pode ser tentado por quem quer que seja, porquanto ninguém pode fazer Deus pecar nem tampouco Deus, diante de Seu caráter moral, pode fazer com que alguém peque (Tg.1:13).
- Não podemos confundir, portanto, a noção de tentação com a de provação, esta, sim, com origem em Deus. Deus, no Seu propósito de promover a contínua edificação espiritual do homem, ser que tanto ama, estabelece, dentro de Seus desígnios que o homem não consegue discernir (Is.55:8; I Co.3:11).
Tudo o que Deus estabelece na vida do homem fiel é para seu bem (Rm.8:28). Por isso, a passagem narrada em Gn.22:1 (aliás, a expressão “tentou” da versão Almeida Revista e Corrigida, foi substituída por “pôs à prova” na versão Almeida Revista e Atualizada, expressão repetida na NVI). A tentação nunca tem objetivos de edificação, mas, simplesmente, destrutivos, motivo pelo qual é distinta da provação.
- Não podendo a tentação ter origem em Deus, como se vê, percebemos que sua origem se encontra ou no próprio homem, ou no adversário de nossas almas e suas hostes espirituais ou, ainda, na combinação de ambas as forças. A tentação, embora seja uma realidade presente e que pode nos impedir de alcançar a vida eterna, se bem sucedida em seus intentos malévolos de afastamento da presença de Deus nas nossas vidas, é algo que não é vindo da parte de Deus e, portanto, não é algo impossível de ser vencido. Esta já é uma esperança que temos: a de que podemos vencer a tentação!
OBS: ” As tentações (induções) à prática do mal ou ‘tribulações’ são ‘humanas’. Isso significa apenas que pertencem aos homens, comuns a seu nível, comuns à sua experiência terrena, pelo que também não podem ser algo extraordinário e avassalador para nós.” (CHAMPLIN, R.N.. Tentação. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.6, p.351).
- A primeira fonte da tentação é o próprio homem, ou seja, nós mesmos, o nosso “eu” é um fator que pode dar origem à tentação. Tiago bem nos mostra isto ao informar que “cada um é tentado quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tg.1:14). O homem é um ser moral, ou seja, alguém que tem consciência em si mesmo de que existem coisas certas e coisas erradas. Dotado de liberdade, o chamado livre- arbítrio, tem o poder de escolher entre servir e obedecer a Deus ou não, como fica evidenciado pela expressão de seu Criador em Gn.2:16,17.
OBS: “…O desejo que nos impele ao pecado não é proveniente de Deus, mas de nós mesmos, e é fatal ceder a esse impulso (Tg. 1:14 e segs.)…” (PACKER, J.I. Tentação. In: J.D. DOUGLAS (org.). O novo dicionário da Bíblia, v.II, p.1581)
- Desta forma, tendo consciência de que pode se submeter, ou não, ao Senhor, o homem pode pôr como alternativa possível o de desobedecer aos princípios estabelecidos por Deus, ou seja, é perfeitamente possível que o homem se disponha a seguir um caminho diferente do traçado por Deus. Neste instante, em que se afigura possível este trilhar tortuoso, surge a figura da tentação com origem no próprio “eu”, no próprio homem.
Ao sentir que ele próprio pode passar a ser o centro de sua vida, o homem está sendo tentado a pecar, a se desviar do caminho estabelecido por Deus e se for atraído por esta possibilidade, se, realmente, entender de satisfazer-se ao invés de satisfazer e agradar ao Senhor, terá concebido o pecado e, com ele, a morte, que nada mais é que a separação entre ele e Deus.
- Vemos que, na primeira tentação narrada na Bíblia Sagrada, a que levou à queda os nossos primeiros pais, esta mudança de perspectiva, de centro apresentou-se como uma possibilidade tanto na vida de Eva quanto na de Adão. Diz o texto sagrado que, após ter dialogado com a serpente, Eva viu a árvore e a considerou desejável para dar entendimento (Gn.3:6), ou seja, preferiu assumir uma posição de independência em relação a Deus, pôs-se como centro de suas preocupações, o que demonstra que, neste particular, a tentação proveio de si mesma.
Com Adão não foi diferente, pois, embora o texto bíblico não seja tão desenvolvido quanto ao que se refere a Eva, é evidente que Adão, ao receber o fruto de Eva, não o fez ignorantemente, inconscientemente, pois, se assim fosse, não seria punido por Deus, que havia dito que a morte viria se houvesse, por parte do homem, a “comida livre”, ou seja, o comer voluntário e deliberado, não meramente acidental. O próprio Deus nos informa, aliás, que Eva tudo relatou a Adão, pois o texto nos revela que Adão “deu ouvidos à mulher” (Gn.3:17), a nos permitir inferir que houve um diálogo entre eles que tornou Adão consciente de tudo o que se passava.
- Esta tentação, que tem como origem o próprio “eu” do homem, gerou o pecado em nossos pais, afastando-os de Deus, com terríveis consequências para o ser humano, como vemos no juízo estabelecido pelo Senhor aos nossos primeiros pais (Gn.3:16-19,22-24). Exsurge daí a natureza decaída do homem, a sua natureza pecaminosa, que a Bíblia denomina de “carne”. É esta a primeira fonte de tentações na vida do homem.
- A “carne” é, como R.N.Champlin, a natureza humana à parte da influência divina, que se mostra contrária a Deus (Cfr. Carne. In: Enciclopédia de Teologia, Bíblia e Filosofia, v.1, p.656). Esta natureza é um dos três principais inimigos do cristão e nela, como afirma o apóstolo Paulo, “não habita bem algum”(Rm.7:18).
A palavra “carne” é tradução de “sarx” (σαρξ) e significa, precisamente, a natureza adâmica caída, o desejo de se viver independentemente de Deus. Esta natureza acompanha o crente até o instante em que formos glorificados, quando se completará a nossa redenção, pois a carne não pode herdar o reino de Deus (I Co.15:50).
- Na epístola aos Romanos, o apóstolo Paulo mostra a realidade deste conflito sempre presente entre a carne e o Espírito, entre a natureza decaída do homem que, apesar de mortificada pela justificação pela fé, ainda não foi eliminada do ser humano e a nova natureza, advinda da salvação. Esta luta constante e diária explica porque somos tentados a cada momento pela nossa natureza pecaminosa, que deve ser mantida crucificada com Cristo (Gl.2:20).
- Não podemos confundir esta natureza pecaminosa com o nosso corpo. O corpo é o templo do Espírito Santo (I Co.6:19). O corpo, chamado em grego de “soma” (σωμα) é algo distinto da carne, que, em grego, é “sarx” (σαρξ). Não há mal no corpo, que é, num outro sentido, formado de carne e osso (cfr. Ez.37:7,8). Embora saibamos que o corpo seja pó (Gn.3:29) e que não ingressará na dimensão celestial (I Co.15:50), nem por isso devemos entender, como algumas seitas orientais, que o corpo seja um mal em si mesmo ou que o problema da tentação advenha do corpo.
Este pensamento, tão comum entre cristãos menos avisados, não têm respaldo bíblico e é fruto de uma indevida influência de doutrinas e filosofias estranhas à Palavra de Deus e que, desde cedo, deixaram suas marcas seja entre os judeus, seja entre os cristãos.
A carne é uma natureza espiritual decaída, é uma tendência de afastamento da presença de Deus motivada pelo próprio caráter depravado do homem, que já é concebido com esta tendência, oriunda de nossos primeiros pais (Sl.51:5). Assim, não é o fato de termos um corpo físico que nos gera esta natureza pecaminosa, nem pode a “carne” ser identificada com este corpo físico.
- Mas não é apenas a “carne” quem pode gerar tentações no ser humano. Também é fonte de tentação na vida do cristão o diabo, o nosso adversário, o nosso inimigo (Mt.4:1), que é, por isso mesmo, chamado nas Escrituras de “tentador”(Mt.4:3, I Ts.3:5). Com efeito, desde a primeira tentação, vemos que o diabo é um fator gerador de tentações. Na primeira tentação, o diabo apresentou-se à mulher, como a mais astuta das criaturas existentes, buscando desviar a mulher do propósito de servir a Deus. Para tanto, usou de tentativas, bastando-lhe abrir o diálogo com a mulher e fazer nascer nela o desejo de ser igual a Deus (Gn.3:1-5). Este mesmo desejo de independência em relação a Deus havia sido o motivo da queda do próprio adversário (Is.14:13,14), de forma que seu trabalho foi despertar no homem o mesmo sentimento que causou a sua perdição (Is.14:15).
Quando o diabo tenta, faz o que lhe é próprio, pois seu trabalho outro não é senão roubar, matar e destruir (Jo.10:10). O próprio Jesus, para demonstrar toda a Sua humanidade quando esteve entre nós, foi tentado pelo diabo e não apenas as três vezes relatadas minudentemente pelo Evangelho, como podemos inferir dos textos de Lc.4:13 e Hb.4:15 (e, neste particular, pelo menos temos o registro explícito de mais uma tentação, como se observa da leitura de Mt.16:23).
OBS: No livro sagrado dos muçulmanos, o Corão, a propósito, é mencionado que o próprio diabo teria resumido a sua tarefa como sendo a de tentar a humanidade: “…Disse[ Satanás, observação nossa]: Ó Senhor meu, por me teres colocado no erro, juro que os alucinarei na terra e os colocarei, a todos, no erro…” (15:39). (ou na tradução inglesa: …eu tentarei a humanidade na terra: eu os seduzirei …).
- Como afirma Charles Spurgeon: “…A serpente morde o calcanhar da semente verdadeira e, por conseguinte, escárnios, perseguições, tentações e tribulações certamente assaltam o caminho para a fé. A mão da fé é contra todo o mal e todo o mal é contra a fé! A fé é aquela bendita graça que é muitíssimo agradável a Deus e, por conseguinte, é muitíssimo desagradável ao diabo.
Pela fé Deus é grandemente glorificado e, pela fé, consequentemente, o diabo é grandemente prejudicado. Ele se enfurece diante da fé porque ele vê, nela, sua própria derrota e a vitória da graça. …” (SPURGEON, Charles H. op.cit., p.2).
- A terceira fonte de tentação é o “mundo”, ou seja, o sistema organizado pelo diabo e que está estabelecido sobre todos os homens que não foram salvos por Jesus (cfr. Ef.2:1-3), mundo este que gera aflições na vida do crente(Jo.16:33). O mundo é atrativo e, se não vigiarmos, acabaremos por amar o que há no mundo e, assim, pecaremos inevitavelmente, pois quem amar o mundo, não terá o amor de Deus nele (I Jo.2:15).
Por “mundo” não podemos entender as coisas criadas por Deus, mas, sim, este sistema satânico, gerado depois da queda do homem, pelo qual os seres humanos passam a viver debaixo do malb (I Jo.5:19) e sob o império da morte (Rm.6:23; Ef.2:1).
No mundo, portanto, temos a conjugação tanto do “ego” humano, isto é, da “carne”, como também do diabo, que é “o deus deste século” (II Co.4:4).
OBS: ” …Das três palavras gregas que são traduzidas como mundo, apenas uma – “kosmos” – apresenta o pensamento de uma esfera de conflito. Esta palavra significa ordem, sistema, regulamento, e indica que o mundo é uma ordem ou sistema, em cada caso – e há muitos deles – onde o aspecto moral do mundo está em foco, este cosmos é dito ser oposto a Deus. Está declarado que teve a sua origem – em seu plano e ordem – com Satanás. Ele o promove e é o seu príncipe e deus. Este cosmos sistema é basicamente caracterizado por seus ideais e entretenimentos e estes se tornam uma fascinação para o cristão que está neste cosmos, embora não seja parte dele.
Estes aspectos do cosmos freqüentemente são uma imitação falsa das coisas de Deus e em lugar algum o crente precisa da orientação divina mais do que quando ele tenta traçar uma linha de separação entre as coisas de Deus e as do cosmos de Satanás.…” (CHAFER, Lewis Sperry. Teologia sistemática, t.1, v.2, p.726).
Interessante observar que, no livro sagrado dos muçulmanos, o mundo é indicado mediante as suas ofertas materiais: “…Aos homens foi abrilhantado o amor à concupiscência relacionada às mulheres, aos filhos, ao entesouramento do ouro e da prata, aos cavalos de raça, ao gado e às sementeiras. Tal é o gozo da vida terrena; porém, a bem-aventurança está ao lado de Deus. …” ( ou, na tradução inglesa, ‘…homens são tentados pela concupiscência das mulheres..’) (3:14).
III – O PROCESSO DA TENTAÇÃO
- O processo da tentação é descrito, com pormenores, pelo menos em duas ocasiões nas Escrituras Sagradas: a tentação de Eva e a tentação de Jesus, tendo recebido de Tiago uma síntese elucidativa em Tg.1:13-14.
Em ambas as descrições, percebemos que a tática da tentação é sempre a mesma, a indicar que não existe coisa alguma de nova debaixo do sol (Ec.1:9) e, como o que foi escrito, para nosso ensino foi escrito (Rm.15:4), tais passagens servem-nos de alerta e de revelação divina para que possamos ser mais do que vencedores por Aquele que nos amou (Rm.8:37).
- O início da tentação é, conforme vemos nas duas passagens supramencionadas, a abertura de diálogo seja com o nosso “eu”, seja com o diabo, seja com o mundo. No Éden, o diabo iniciou o seu processo de tentação abrindo diálogo com a mulher.
“É assim que Deus disse: não comereis de toda a árvore do jardim?” (Gn.3:1). É por este motivo que a Bíblia nos adverte para que não demos lugar ao diabo (Ef.4:27). Quando abrimos uma brecha, por menor que seja, permitimos que o mal venha se instalar nas nossas vidas (Jr.39:2,3).
Não podemos permitir, de forma alguma, que o inimigo (seja o diabo, seja a natureza pecaminosa, seja o mundo) venha a alcançar algum espaço em nossos pensamentos ou em nossas ações, pois, assim agindo, estaremos dando guarida a um processo de tentação que nos levará à derrota, ou seja, ao pecado. Um conhecido e antigo louvor, que se ensina às crianças na EBD, bem ilustra este perigo, quando nos fala que o mal quer apenas “um lugarzinho” em nosso coração, mas que não podemos permitir que isto aconteça.
- No deserto, o diabo também iniciou um diálogo com o Senhor, que a isto assentiu porque este era o propósito de Deus para a Sua vida, como nos revela o início da narrativa da tentação. Jesus havia ido para o deserto exatamente para ser tentado pelo diabo e o adversário, para poder tentar, iniciou abrindo um diálogo com o Senhor.
É sempre esta a tática da tentação: a abertura de diálogo com o tentado. Esta abertura de diálogo, entenda-se, não é, necessariamente, a conversa com alguém (ou com o próprio diabo, como ocorreu com Eva e com Jesus), mas pode ser um processo mental, ou seja, um diálogo travado entre a pessoa e seu “ego”, entre a pessoa e o mundo ou entre a pessoa e o tentador (ou um dos seus agentes).
- O segundo momento do processo da tentação é o lance do tentado no campo da dúvida em relação à Palavra de Deus. No diálogo que se abre, o trabalho do tentador é, sempre, o de retirar a credibilidade da Palavra de Deus, o de pôr em dúvida a confiança que se tem na revelação de Deus ao homem, que é a Sua Palavra.
Assim, com Eva, o diabo, por exemplo, afirmou que não era verdadeiro que se seguiria a morte se houvesse o consumo do fruto da árvore da ciência do bem e do mal (Gn.3:4), assim como, no deserto, colocou em dúvida a qualidade de Filho de Deus, já na abertura do diálogo com Jesus (Mt.4:3). Não é por outro motivo que, ao descrever a armadura de Deus, Paulo menciona o “escudo da fé” contra os “dardos inflamados do inimigo” (Ef.6:16). Somente a fé poderá impedir que a dúvida possa resultar na imobilidade espiritual do cristão (Tg.1:6,7).
- O terceiro momento do processo da tentação é o primeiro efeito nefasto da colocação em dúvida da Palavra de Deus. Em virtude deste lance no campo da dúvida, a tentação acaba oferecendo uma atração, chega-se à construção de um discurso no qual o que é oferecido pela tentação é algo que passa a ser considerado como digno de busca, algo que vale a pena ser procurado e conquistado.
Somente quando se abandona a revelação divina, contida nas Escrituras, o que passa a ser ofertado na tentação passa a representar algum valor, passa a poder ser considerado como algo que possa ser procurado. Quando Eva passou a não mais dar crédito à Palavra de Deus, o fruto passou a lhe ser atraente, “árvore boa para se comer e agradável aos olhos” (Gn.3:6).
O risco da atração é real e deve ser evitado a qualquer custo, o que somente se dará se nos firmarmos na Palavra de Deus, como bem nos ensinou Jesus, que não se deixou atrair pelo mal, mas rechaçou as investidas utilizando-se da revelação divina. Daí porque ter rogado ao Pai que Seus discípulos fossem santificados na verdade, ou seja, na Palavra de Deus (Jo.17:17).
- É interessante notar que reside aqui a grande diferença entre a derrota de nossos primeiros pais e o triunfo experimentado por Jesus. Eva, logo no início do diálogo com o adversário, demonstrou não ter muita certeza nem convicção da Palavra de Deus, pois, ao mencionar a ordem divina, não o fez de modo fiel, acrescendo palavras à ordem de Deus, como se vê, claramente, da comparação entre Gn.2:16,17 e Gn.3:2,3.
Jesus, entretanto, em todas as citações que fez das Escrituras, fê-lo de forma fiel e correta, demonstrando, assim, conhecimento da revelação divina e certeza do que estava a dizer. É catastrófico percebermos, nos nossos dias, que a fragilidade no conhecimento das Escrituras, a superficialidade no domínio da revelação fidedigna de Deus é uma característica cada vez mais presente no meio do povo que diz servir ao Senhor. Esta falta de conhecimento e de profundidade é o caminho para a derrota frente às tentações.
Oseias foi bem claro ao afirmar que o povo de Deus fora destruído por causa da sua falta de conhecimento (Os.4:6). Este é um dos principais motivos porque os adversários da obra de Deus se regalam quando observam a falta de incentivo, a falta de estímulo e a ausência de prioridade que se tem dado ao ministério e às reuniões de ensino da Palavra de Deus em nossas igrejas nos nossos dias.
Por causa disso, muitos têm fracassado no embate diário da tentação, porque não têm como levantar o escudo da fé e, por conseguinte, não terem como vencer os inimigos que têm conseguido nos impedir de desfrutarmos da vitória que nos está prometida.
- O quarto momento do processo da tentação é a geração do desejo, ou seja, após a atração, resultante da falta de crédito que se dá à Palavra de Deus, a pessoa tentada passa a desejar, a cobiçar o que é contrário a Deus, o que é contrário à determinação divina. Este desejo, esta cobiça é o que a Bíblia Sagrada denomina de “concupiscência”.
A concupiscência é “desejo forte”, ou seja, é um estado em que a pessoa passa a querer algo sem levar em conta qual a vontade de Deus. O mundo, explica-nos o apóstolo João, caracteriza-se, é reconhecido por três coisas, duas das quais são, precisamente, a “concupiscência”, ou seja, no sistema satânico organizado para contrariar a Deus, as pessoas são levadas a crer que podem querer, podem exercer sua vontade independentemente do que Deus queira ou deseje em nossas vidas. É esta a maior manifestação de rebeldia da criatura contra o seu Criador.
É em Jesus que encontramos, bem ao contrário, a submissão à vontade do Pai, em todo o momento e em todos os sentidos. Por isso, quando oramos a Deus, devemos ter esta consciência, a de que aqui estamos para fazer a vontade do Senhor, não a nossa (Mt.6:10). Na tentação, somos levados a acreditar que podemos querer sem ter de levar em conta a vontade de Deus. Eva passou a desejar ter um entendimento igual ao de Deus (Gn.3:9), desejo este que também foi o de Adão, quando cientificado por Eva de tudo o que se passara.
- O quinto momento do processo da tentação é, precisamente, o engodo, ou seja, o engano. A partir do momento que é gerado o desejo pecaminoso, a partir do instante em que passamos a achar que podemos querer sem que seja necessário descobrirmos o que é, ou não, agradável a Deus, passamos a ser enganados, engodados seja pela nossa carne, seja pelo diabo, seja pelo mundo.
Tiago afirma que, quando somos atraídos, somos engodados pela nossa própria concupiscência (Tg.1:15). Neste estágio do processo da tentação, como abandonamos a Palavra, que é a verdade, tornamo-nos alvo fácil da mentira e do engano. Paulo afirma que os homens, neste estado, enganam e são enganados (II Tm.3:13).
Com efeito, os fatos geradores da tentação são, simultaneamente, fontes de engano: a nossa natureza pecaminosa é fruto de engano (Tg.1:14; Jr.17:9); o diabo é o enganador por excelência, pois é o pai da mentira e, quando mente, fala do que lhe é próprio (Jo.8:44) e o mundo está cheio de enganadores (II Jo.7). Eva estava totalmente enganada, porquanto passou a crer nas palavras do diabo e não mais na ordem divina. Eva estava certa de que obteria entendimento igual ao de Deus e que não morreria, exatamente como lhe falara o adversário.
- O sexto momento do processo da tentação é a geração do pecado. A tentação tem como objetivo a geração do pecado, é para isso que ela foi criada e, por isso, como vimos supra, não pode ser algo que se origine em Deus. Quando a pessoa está enganada, deseja o que é errado, tem-se a geração do pecado, pecado este que se configura pela decisão de se agir fora dos parâmetros estabelecidos pelo Senhor.
Muda-se a retidão pela tortuosidade e “hamarthia” , a palavra grega para pecado é, exatamente, isto, a tortuosidade, o desvio, a modificação de alvo e de propósito. A pessoa deixa de agir segundo o propósito de Deus, deixa de pensar e de querer o que Deus tenha querido e proposto para sua vida, passando a satisfazer o seu próprio desejo, a sua própria concupiscência. É, então, neste momento que nasce o pecado e, havendo pecado, naturalmente teremos um pecador.
O pecado não exige a realização de uma atitude externa, de um gesto visível e perceptível por todos. O pecado nasce no interior do homem, de lá procede, porque é o resultado deste “grito de independência”, é o resultado inevitável de quem abre diálogo com os inimigos da obra de Deus, de quem duvida da Palavra do Senhor, de quem passa a desejar o errado e de quem está engodado por este desejo.
- Muitos, nesta ilusão, neste engano que dá origem ao pecado, procuram enxergar pecado apenas nos gestos exteriores, somente na prática de determinados atos. Assim, por exemplo, para citarmos um episódio muito mencionado entre nós, somente podem entender que tenha havido adultério quando há a prática de relações sexuais efetivas entre o cônjuge e o terceiro. Entretanto, Jesus foi bem claro ao dissertar sobre o assunto no sermão do monte.
Não só em relação ao adultério, mas em qualquer pecado, quando há a simples cobiça, ainda que em pensamento, já teremos o pecado (Mt.5:28; 15:18,19), pois, como diria Tiago décadas depois, “havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado” (Tg.1:15a) .
- O sétimo e último momento da tentação é a morte, que é o salário do pecado (Rm.6:23). Tendo havido o pecado, ocorre a imediata separação entre Deus e o pecador (Is.59:2; Ef.2:12,13), o que é, precisamente, o intento, o objetivo de todo o processo da tentação.
A separação entre Deus e o pecador nada mais é que a morte que constara da advertência divina ao homem (Gn.2:17), morte esta que foi simbolizada pela perda do direito de o homem ter livre acesso à presença de Deus (Gn.3:23,24). É tão só este o objetivo da tentação e quando não vigiamos nem agimos conforme nos ensinam as Escrituras, será este o nosso triste fim.
- Todo este processo, que é descrito tanto na tentação de Eva quanto na tentação de Jesus, é sintetizado por Tiago, “in verbis”: “Ninguém sendo tentado, diga: De Deus sou tentado, porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dà à luz o pecado e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tg.1:13-15).
- Por isso, o irmão do Senhor deixa um sábio conselho a todos os salvos: “Não erreis, meus amados irmãos” (Tg.1:16).
- O erro está, precisamente, em nos deixarmos envolver por todo este processo que nos leva até a morte. A tentação é inevitável, visto que até o Senhor Jesus foi tentado e em todas as coisas (Hb.4:15), mas, assim como Ele venceu, também nós podemos vencer.
- Certo é que Jesus nunca pecou, o que não ocorreu conosco, mas, desde o instante em que cremos em Cristo Jesus e fomos feitos novas criaturas (II Co.5:17; Gl.6:15), é possível, sim, vivermos em novidade de vida e não pecarmos, até porque o Senhor nos promete que nunca nos sobrevém tentação maior que a que possamos suportar (I Co.10:13).
- Pedro é claro ao dizer que o Senhor sabe livrar da tentação os piedosos (II Pe.2:9) e, como já visto supra, não só dá condições para que não sejamos tentados além das nossas forças, como também nos ensina a pedir-Lhe o livramento do mal.
- Por isso, amados irmãos, não erremos, como nos aconselha Tiago, mas estejamos sempre prontos a nos manter separados do pecado, buscando tanto as Escrituras quanto o poder de Deus, pois são estes dois fatores que nos impedem de cair nas tentações (Mt.22:29; Mc.12:24).
- Queremos resistir à tentação? Queremos evitar de pecar? Basta que nos engajemos no estudo das Escrituras, na sua meditação diuturna (Sl.1:1,2), bem como busquemos o poder de Deus, tendo uma vida de constante oração, e, deste modo, embora sejamos tentados, certamente venceremos as tentações e o que seria ocasião para nosso fracasso espiritual, será mais uma oportunidade de crescimento espiritual, de fortalecimento em nossa peregrinação terrena.
- Como bem disse, certa feita, Martinho Lutero, não podemos impedir que um pássaro voe sobre as nossas cabeças, mas podemos, sim, que ele faça, em nossas cabeças, um ninho. De igual modo, não podemos evitar, já que estamos no mundo (Jo.7:11) e num embate ininterrupto contra as hostes espirituais da maldade (Ef.6:10-12), de sermos tentados, mas, estando sempre junto ao Senhor, jamais deixando de ficar aos Seus pés, buscando a Sua presença, seja na meditação nas Escrituras, seja na oração, certamente haveremos de ser guardados por Ele (Jo.17:12) e desfrutaremos a grande bênção da vitória. Amém!
OBS: “…É impossível que deixemos de ser tentados pelo demônio e por isso pedimos a Deus que não nos deixe cair em tentação. Nas Escrituras se diz que Deus faz o que na realidade Ele só permite. E, segundo esta permissão, não se proíbe o ímpeto da tentação que vem sobre nós, então nos deixa cair nela (São Máximo in Cat. graec. Patr. Bem manda Deus que peçamos: ‘Não nos deixeis cair em tentação”, i.e., que não permita que soframos a prova das tentações voluptuosas e espontâneas.
São Tiago nos ensina que os pelejam em defesa da verdade não são culpados nas tentações involuntárias e são causa de nossos trabalhos. Diz o seguinte: ‘Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações’ (Tg.1:2)…” (TITO BOSTRENSE. Catena áurea n. 10101. Cit. Tg.1:1-4. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 13 maio 2014) (tradução nossa de texto em espanhol).
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
Site: http://www.portalebd.org.br/files/3T2014_L2_caramuru.pdf
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